Apesar de consagrados ao redor do mundo, os wetlands construídos ainda são uma tecnologia de tratamento de efluentes pouco explorada no Brasil. Umas das aplicações da tecnologia é o tratamento de esgotos sanitários para populações de até 20 mil habitantes. Somente na França são mais de 3.500 estações em operação para tratamento de esgoto doméstico de pequenas cidades e comunidades. A eficiência, a simplicidade operacional e construtiva, aliadas à beleza paisagística e à qualidade ambiental, fazem dos wetlands uma solução robusta, segura e atrativa. Diante de atributos tão eminentes, sobressalta a pergunta: por que não usar os wetlands em nossas cidades e empreendimentos?
O primeiro passo para contribuir com a difusão segura dos wetlands construídos é equalizar o entendimento dos conceitos e condicionantes relacionados à sua aplicação, uma vez que o principal empecilho ao seu potencial de expansão é o desconhecimento técnico. A proposta deste artigo é trazer luz sobre alguns pontos chave deste contexto.
“São as plantas que fazem o tratamento do esgoto?”
Conforme patente em todos os estudos científicos sobre o tema, deve-se ressaltar que não são as plantas que tratam esgoto nos sistemas wetlands construídos. Este é mais um misticismo lançado sobre o tema, muitas vezes com intentos comerciais. Apesar de ser o elemento mais notável, pelos serviços ambientais que presta e pela qualidade paisagística que confere, a vegetação não é protagonista no que se refere aos processos de remoção de poluentes. Os wetlands, assim como outras tecnologias de tratamento, são sistemas biológicos, nos quais a microbiota, que se desenvolve naturalmente no leito, é a principal responsável pela degradação da matéria orgânica presente nos esgotos. Há vários estudos inclusive, entre eles alguns realizados pelo Departamento de Engenharia Sanitária da UFMG, que demonstram alta eficiência em sistemas wetlands não plantados. Em contrapartida, há também, no mesmo centro de pesquisa, estudos que demonstram o papel das plantas na otimização dos processos biológicos e físico químicos de tratamento. Em nosso blog este tema foi apresentado em outro post (O papel da vegetação nos wetlands construídos). De toda forma, apesar da sua significância, é tecnicamente equivocado dizer que as plantas tratam esgoto.
Áreas de implantação dos sistemas wetlands construídos
Os wetlands construídos são sistemas passivos e extensivos de tratamento. Ao contrário de estações intensificadas de tratamento (UASB, Lodos Ativados, filtração por membrana, Biodisco, etc), não utiliza produtos químicos e elementos eletromecânicos em seus reatores. Por outro lado, como condicionante, os wetlands, em ressonância com outras tecnologias extensivas, ocupam maiores áreas de implantação. Por essa razão, a disponibilidade de áreas é premissa para viabilizar a implantação da tecnologia. Apesar das dimensões dos wetlands estarem relacionadas a critérios de projeto (conforme a caracterização do efluente e aspectos locacionais), a título de estimativa, são necessários de 1 a 2 m² para cada 160 litros diários de vazão (correspondente, em média, a produção de esgotos de 1 habitante). É ainda necessário prever mais 40% de área para áreas de entorno (vias de acesso, estruturas de apoio, tratamento preliminar, etc). Assim para uma ETE Wetlands para uma comunidade de 1000 habitantes, com geração per capita de 160 litros por habitante por dia, seriam necessários de 1400 a 2800 m². Se não houver área compatível com estes valores, não há como viabilizar a implantação segura dos wetlands construídos.
"Os wetlands podem receber esgoto bruto? Não vai entupir / colmatar?"
Os wetlands podem, sim, receber esgoto bruto. Obviamente não dispensando, como qualquer ETE, um bom tratamento preliminar (gradeamento e/ou peneiramento para remoção de sólidos grosseiros). É importante porém considerar que existem várias tipologias de wetlands e vários arranjos possíveis. Entre as tipologias comumente empregadas, os wetlands de fluxo vertical são os únicos adequados para receberem esgoto bruto. Nesta configuração, quando atendidas as taxas de aplicação hidráulica e de carga orgânica, os sólidos suspensos presentes no esgoto ficam retidos na superfície do leito e vão sendo mineralizados e digeridos ao longo da operação do sistema, com uma taxa de acumulação de 1 a 2 centímetros por ano. Ou seja, o sistema funciona como um filtro acumula o lodo ao longo de seu ciclo de operação. O intervalo de remoção desse composto mineralizado (antigo lodo) pode ocorrer a cada 5 ou 10 anos, eliminando a rotinas intensivas e dispendiosas de manejo de lodo (a maioria das ETE demandam descartes de lodo contínuo, semanal ou quinzenal). Com isso pode-se dizer que há uma colmatação (entupimento) controlada do leito. O que garante o bom desempenho destes sistemas é o rodízio de alimentação nos leitos, alternando carregamento e repouso. Após o período de 5 a 10 anos, a camada superficial é raspada, a vegetação é replantada e o sistema continua operando normalmente, sem a necessidade de remover o material filtrante. Ao contrário de lodos não estabilizados de outros sistemas, o biossólido acumulado nos wetlands é um material com características de fertilizante orgânico, uma vez que se encontra, ao final do ciclo, mineralizado, sanitizado e incorporado com material estruturante (rico em nitrogênio) das fibras vegetais. Percebe-se, pois, a grande vantagem desta “colmatação” controlada dos wetlands verticais, quando projetado e operado corretamente. Na França grande parte das 3500 estações implantadas utilizando a tecnologia wetlands construídos, recebem esgoto bruto e são compostas por dois estágios em série de wetlands verticais, atendendo padrões de lançamento com DBO inferior a 25mg/L. Por outro lado, os wetlands horizontais não são projetados para receber esgoto bruto, sendo empregados para tratamento secundário de efluentes, quando há um tratamento primário com eficiente remoção de sólidos. Percebe-se pois que a vida útil e a performance do sistema, ligada a sua colmatação, são controladas pelos critérios de projeto que envolve desde o dimensionamento dos leitos, escolha e qualidade do meio suporte, desenho das linhas de alimentação hidráulica, ventilação e drenagem e escolha da vegetação.
Geração de odor: os wetlands construídos têm mau cheiro?
Algumas tecnologias biológicas de tratamento de efluentes baseiam-se em processos intensificados de digestão anaeróbia. Nestas estações, pela rota de degradação anaeróbia da matéria orgânica, há necessariamente, desprendimento em altas taxas de metano e gás sulfídrico, este último com odor fétido, característico de ovo podre. Em estações bem operadas, pode-se controlar o odor com filtros de gases. Como existem muitas estações no Brasil que empregam processos anaeróbios, mas que apresentam problemas operacionais no controle de odor, fundamentou-se um estigma negativo na população que a estação de tratamento de efluentes trará, impreterivelmente, problemas de mau cheiro para a vizinhança. Assim como tecnologias aeróbias, os sistemas wetlands construídos, seja para desaguamento e mineralização de lodos ou tratamento de esgotos, não produzem maus odores. Essa condição é garantida pelo fato de serem sistemas de tratamento extensivos e aeróbios, com taxas de carregamento relativamente baixas, o que impede a criação de ambientes anaeróbios nos leitos. Preservada a condição predominantemente aeróbia, não há o desprendimento de H2S (gás sulfídrico) para o ar, que como foi dito é o principal causador de maus odores. Em ambiente aeróbio, este composto é oxidado a SO43- (sulfato) que não é volátil. Portanto é possível implantar sistemas wetlands bem próximos a áreas residenciais. Em alguns arranjos tecnológicos é possível integrar o sistema a uma praça ou um parque, criando um ambiente harmônico de convivência e educação ambiental. Para esta linha de abordagem é possível ver um exemplo projetado pela empresa Wetlands Construídos na Mina de Águas Claras, em Nova Lima, Minas Gerais.
Atração de vetores: os wetlands construídos atraem mosquitos?
Outro receio muito comum, justificado pelas constantes epidemias a eles associadas, refere-se à proliferação de mosquitos e outros vetores nos sistemas wetlands construídos. As tipologias de wetlands comumente empregadas para tratamento de esgoto sanitário, wetland vertical e/ou horizontal, não atraem mosquitos pois não há lâmina d’água aparente, e consequentemente não há ambiente para proliferação. Nestas tipologias, ao contrário dos wetlands superficiais, o fluxo do efluente ocorre subsuperficialmente, ou seja, abaixo do leito de pedras. O sistema também opera em baixa carga e não há acúmulo de grandes quantidades de material orgânico na superfície do leito, sendo que a atração de moscas é muito reduzida. Vale lembrar que nenhuma estação de tratamento de efluentes deve prescindir de um bom tratamento preliminar, onde são retidos sólidos grosseiros e de difícil degradação que efetivamente contribuem para atração de vetores. Assim como em qualquer ETE estes resíduos não devem entrar nos reatores e, obrigatoriamente, devem descartados como lixo comum. Roedores e outras pragas urbanas também não se proliferam de maneira atípica nos wetlands, sendo recomendados os mesmos cuidados observados em qualquer outro local.
Wetlands para tratamento de esgotos: diversas possibilidades
São muitas as possibilidades e vários outros critérios e conceitos relacionados ao sistema wetlands construídos podem ser explorados. Novos posts serão feitos abordando o potencial da tecnologia. Em nosso canal do Youtube há vários exemplos e explicações sobre o tema (acesse o canal). Caso queira saber mais sobre o potencial de aplicação da tecnologia para sua cidade ou seu empreendimento entre em contato com nossa equipe.
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